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As medidas tributárias adotadas pelos estados diante da pandemia da Covid-19

Com amparo nos levantamentos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), 73% das empresas precisarão de crédito para capital de giro no montante de 43% de seu faturamento. Do total desses créditos obtidos, 89% serão destinados ao pagamento de salários, 63% para insumos e 39% para custo de energia. Essas não são as mesmas necessidades de outras atividades econômicas voltadas ao comércio e serviços, bem como de regiões distintas do país, contudo é um indicativo.

Com efeito, nesse período de contração generalizada do fluxo de caixa das empresas o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), que é de competência dos estados e do Distrito Federal, produz o maior impacto na carga tributária de seus contribuintes e passa a ter equivalente relevância para a higidez financeira dessas empresas.

Em linhas gerais, a obrigação de pagar o aludido imposto nasce após a ocorrência de seu fato gerador, comumente a venda das mercadorias ou prestação dos serviços que estão inseridos em seu campo de incidência.

Não obstante, por meio do Regime de Substituição Tributária associado à Antecipação do ICMS (RST/AT), que, para a maior parte dos estados, está incluída mais da metade do valor das mercadorias neles comercializados, o imposto é pago antes mesmo que ocorram as saídas das mercadorias, fruto de suas vendas.

Nessa senda, o pagamento do ICMS de toda cadeia econômica, da produção até o consumo, deve ser realizado pelo contribuinte, em geral, que der início à circulação da mercadoria nas operações interestaduais ou internas, a depender da origem da mercadoria e da existência de acordos interestaduais ou enquadramento do produto no regime interno do estado.

Mesmo em ocasiões de estabilidade econômica, a operacionalização do RST/AT exige um significativo esforço de caixa dos contribuintes para anteciparem o pagamento do imposto, além da consequência de reduzir a competitividade daquelas com menor disponibilidade de capital de giro.

Em período de crise com tamanha e generalizada desidratação do fluxo de caixa das empresas, ajustes precisam ser efetuados para que se assegure o funcionamento regular do sistema.

Importa lembrar que o Estado de Santa Catarina, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), visando a reduzir os pedidos de restituição e demandas jurídicas relativas à base de cálculo do RST/AT, bem como atrair empresas e oferecer oxigênio para as já existentes, antecipou-se em 2019 e promoveu a mais ampla mudança nesse intricado microssistema tributário.

No rol das medidas adotadas pelo Estado de Santa Cataria se destacam as exclusões de diversos produtos RST/AT, a exemplo de materiais de construção e congêneres, materiais elétricos, produtos de papelaria, produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos, tintas, vernizes e outras mercadorias da indústria química, lâmpadas, reatores e starters, ferramentas, máquinas e aparelhos mecânicos, elétricos, eletromecânicos e automáticos.

Outros estados, como Goiás e Rio Grande do Sul, adotaram também algumas modestas iniciativas e, por razões semelhantes, em alguns aspectos, excluíram produtos desse mecanismo de arrecadação.

Em momento de crise econômica, manter e até incrementar a receita tributária exige amplo alinhamento entre os órgãos técnicos que se ocupam do desenvolvimento econômico e aqueles que dirigem a administração tributária. A máquina de arrecadação precisa ser calibrada com sabedoria.

Nesse sentido, convêm realçar que o Regime de Substituição Tributária com Antecipação encurta a disponibilidade de caixa, por meio do pagamento dos tributos antes mesmo de serem realizadas as vendas das mercadorias com a ocorrência do fato gerador, e, para lhe conceder o imperativo fundamento de validade, foi necessária uma emenda que inseriu o §7º no artigo 150 da Constituição Federal. Esse fato provocou uma expansão desregrada do regime, com a inclusão de inúmeros e desnecessários novos produtos, além de regras de difícil operacionalidade.

É importante sublinhar que esse é um momento oportuno e necessário para que os estados, detentores de detalhadas informações sobre as operações que envolvem esse regime, o reavaliem, repensem e adotem providências para reduzir a sua aplicação a um rol de produtos que originariamente dele faziam parte.

Necessário, portanto, examinar a exclusão dos itens que são irrelevantes para a arrecadação, os que têm oscilações constantes no preço final de venda a varejo, além dos produtos que não se ajustam à forma apropriada para esse tratamento tributário, a exemplo daqueles com quantidade elevada de contribuintes substitutos em detrimento dos substituídos e os que concentram maior número de substitutos dentro do próprio estado.

Trazendo essas considerações para o campo prático, a exclusão de produtos demanda análises e estudos que são de fácil realização, tendo em vista o volume de informações disponíveis nas Secretarias de Fazenda, sobre a participação de cada produto na arrecadação, suas margens de valor agregado, a estabilidade dos preços finais de vendas a varejo, o número e a localização dos contribuintes substitutos e substituídos e a eficiência dos sistemas de controle e acompanhamento da arrecadação. Elas, contudo, podem demandar mudanças em acordos interestaduais que envolvem outros estados signatários.

Nesse contexto, visando a harmonizar o recebimento das vendas e serviços com o pagamento do aludido imposto, são necessárias providências precedentes que alarguem os prazos ou parcelem o recolhimento do imposto exigido antecipadamente, almejando uma sincronia entre o prazo de seu pagamento e o giro dos estoques, bem como, fruto dos efeitos da crise no comércio, reavaliar, por meio dos atuais preços de venda a varejo praticados, a base de cálculo do regime para cada produto.

Acrescente-se ainda outras alternativas disponíveis para os estados, a exemplo da revogação temporária da antecipação parcial do ICMS, cuja manutenção é impensável nesse momento; celeridade nos processos de restituição de impostos pagos a mais indevidamente, inclusive em relação à diferença de base de cálculo na Substituição Tributária; flexibilização para transferências de créditos fiscais acumulados para outros contribuintes; dilação da vigência de benefícios fiscais com vencimento neste ano de 2020; suspensão temporária das execuções fiscais, além de conter medidas que possam restringir o acesso das empresas a linhas de créditos.

As medidas elencadas no campo tributário alcançam apenas a restrita competência dos estados e Distrito Federal, que devem se somar a outras tributárias, bem como de ordem macro e microeconômicas, dirigidas a mitigar os efeitos da crise, especialmente sobre as empresas de pequeno e médio porte, na medida em que enfrentarão dificuldades para manter o faturamento e empregos, cumprirem tempestivamente suas obrigações tributárias e, sob os efeitos da consequente redução da economia de escala, manterem-se no mercado obtendo razoáveis condições nas aquisições de insumos e mercadorias.

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Baiano integra Conselho em SP

O advogado tributarista baiano Ângelo Pitombo Será empossado amanhã em São Paulo, como membro do Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP). O baiano deve participar de reuniões mensais na entidade paulista. Até o final do passado ele integrava, como auditor, o Conselho Administrativo Tributário do Estado da Bahia (Consef).

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Reforma tributária e o contencioso administrativo tributário nacional

A atual Constituição Federal, garantiu a existência de um Contencioso Administrativo Tributário, contudo, lhe restringiu ao desempenho da jurisdição atípica, conforme seu art. 5º, incisos LIV e LV, e, mais recentemente, reforçadas nos artigos 13 e 15 do novo CPC. 

Em nosso sistema Federativo, cada unidade pode criar seu Contencioso Administrativo Tributário. Os municípios, notadamente os maiores, os estados, o Distrito Federal e a União possuem sua estrutura de julgamento administrativo fiscal e, naquilo que lhe compete, normas próprias sobre Processo Administrativo Tributário.

Diante da proposta de reforma tributária, especialmente aquelas que pretendem unificar tributos federais, municipais e estaduais, previstos em apenas uma lei nacional, cabe apresentar uma questão para servir de reflexão sobre a neutralidade interpretativa dessa lei, maior segurança jurídica e simplificação, com celeridade processual, necessárias à eficiente prestação jurisdicional atípica.

É de amplo conhecimento no âmbito tributário e empresarial, a existência recorrente de distintos e divergentes entendimentos, sobre a mesma matéria tributária, entre os diversos Tribunais Administrativos Tributários, que em regra defluem de uma imprecisa legislação.

Com supedâneo nessa premissa, quando a lei nacional procurar esgotar a legislação sobre o novo imposto que surge da proposta de reforma tributária, emergem, entre outras limitações, a necessária simplicidade e neutralidade interpretativa, restando a providência de examinar as soluções para os efeitos que defluem da manutenção dos Contenciosos Administrativos Tributários nas Unidades Federativas, caso a reforma tributária implementada contemple, em razão do pacto federativo, a manutenção desses órgãos.

Construir maior coesão hermenêutica de uma lei nacional e manter a independência dos órgãos de julgamentos administrativos fiscais em cada Unidade Federativa, torna imperativa a criação de um órgão de âmbito nacional superior de julgamento administrativo tributário, com decisões vinculantes no âmbito administrativo de atuação preventiva ou repressiva. 

Quanto ao controle preventivo, caberia o exame da interpretação de matérias de direito formuladas pelas Unidades Federativas, que, para tanto, estariam habilitadas, através de suas procuradorias, a diretamente peticionar a esse órgão, cuja decisão terá efeito vinculante na esfera administrativa. 

A função preventiva, não se constitui em uma simples consulta, mas na competência    atribuída a esse órgão para fixar, no âmbito administrativo, o entendimento sobre matéria de direito concernente à legislação tributária que lhe for delimitada, tendo em vista o formato da reforma tributária que prevalecer.

Notadamente, quando emergir uma decisão vinculante do órgão Superior de Julgamento Administrativo Tributário, os demais Tribunais Administrativos deverão acompanhar esse entendimento para as impugnações e recursos pendentes. 

Tais efeitos contribuiriam para o melhor alinhamento com o legislador, ao elaborar o CPC/15 , e estariam em consonância com a suas vertentes, quanto à valorização dos precedentes e racionalização do contencioso, ao determinar que seja observado pelos Juízes e Tribunais o rol de precedentes previsto nos arts. 927 e 928, além do art. 489, §1º, VI, que condiciona a devida fundamentação da sentença à apreciação de súmulas, jurisprudências ou precedentes invocados pela parte, in verbis:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

[…]

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[…]

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

I – incidente de resolução de demandas repetitivas;

II – recursos especial e extraordinário repetitivos.

Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

Em relação à observação desses precedentes, alinha Rodrigo Giacomeli Nunes Massud : “os principais destaques, no contexto do CPC/15, ficam por conta dos arts. 489, §1º, que de alguma forma encampou uma incipiente teoria do precedente, ao lado do art. 927 e 928, que expediram a vincularidade dos julgamentos transubjetivos”.

Nesse ponto, considerando a criação do Órgão Superior de Julgamento Administrativo, seria determinante a observância por esse órgão dos precedentes alinhados no art. 927 do CPC/15. 

Caberia, ainda, na trilha do legislador do novo CPC, expandir os efeitos das decisões vinculantes desse órgão nacional de julgamento administrativo sobre o processo judicial,  criando dispositivos, que ampliem as possibilidades de  fundamentação das sentenças, na mesma linha já contemplada no artigo 496, §4º, IV, do novo CPC , ora reproduzido in verbis:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

[…]

§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

[…]

IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

A decisão proferida pelo aludido órgão proposto, contribuiria, em médio e longo prazo, para simplificar e dar celeridade processual necessárias às decisões das unidades fracionárias do Contencioso Administrativo Tributário, além de projetar luzes para melhor fundamentação das sentenças. No dizer do professor Paulo de Barros Carvalho,

A rapidez liga-se à simplicidade, posto que expedientes e providências complexas não poderiam responder ao requisito da celeridade suso mencionada. Os atos administrativos realizados no decurso do procedimento, assim como todos os momentos que qualificam a participação do interessado devem obedecer a disposições singelas, a pressupostos de fácil compreensão, a medidas de entendimento imediato ao comum dos homens, em ordem a que se torne possível assegurar o caminho do procedimento, em clima de rapidez e segurança. 

Há, por conseguinte, uma lógica de fácil cognição quando se esquadrinha a simplificação das decisões proferidas pelas instâncias administrativas inferiores, que, no presente caso, incluem a segurança jurídica e a estabilidade do entendimento administrativo sobre a matéria de direito, bem como a neutralidade dos julgamentos, permitindo, naturalmente, o rejuvenescimento da confiança dedicada ao Contencioso Administrativo Tributário.

Por meio do órgão de âmbito nacional de jurisdição atípica se promoveria a unidade interpretativa, reduzindo as lides nas esferas judiciais e administrativas, fortalecendo as linhas centrais da reforma tributária que unifique impostos municipais, estaduais e federais e mantenha o contencioso administrativo tributário em cada unidade federativa.

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1 BRASIL. Presidência da República. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília: DOU, 27 out. 1966, retificado em: 31 out. 1966. Disponível aqui. Acesso em: 11 maio. 2018.

2 MANSUD, Rodrigo Giacomeli Nunes. A valorização dos precedentes e compensação tributária: implicações com o Código de Processo Civil de 2015. In: CONRADO, Paulo (Coord.). Processo Tributário Analítico. v. 2. São Paulo: Noeses, 2016, p. 147.

3 BRASIL. Presidência da República. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília: DOU, 27 out. 1966, retificado em: 31 out. 1966. Disponível aqui. Acesso em: 11 maio. 2018.

4 CARVALHO, Paulo de Barros. Segurança jurídica no novo CARF: In: ROSTAGNO, Alessandro (Coord.). Contencioso Administrativo Tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p. 22.